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Arte e vida

Que São Paulo é considerada uma imensa selva de pedra, todos sabemos. Mas isso não quer dizer que ela precise ser selvagem. Ao menos nos locais que têm sido agraciados pelas hábeis mãos da artista plástica Angela Soranz, 83 anos, moradora da City Lapa, que há mais de 50 anos desfila seu talento, seja em museus, galerias ou mesmo em ruas de céu aberto.
E a arte de Angela é uma homenagem à vida, seja nas paisagens desenhadas, cujo carro-chefe são as flores, ou nas frases “alto-astral” que compõem os seus trabalhos, realizados em azulejos, tecidos, sabonetes, murais, quadros, vidros e em até caixas de fósforo.
Adversidades – Quem conversa com Angela e observa seu jeito positivo de encarar a vida, não imagina, entretanto, as adversidades pelas quais passou. Seu marido, José Claudio Baldini Saragiotto, morreu há 53 anos, vítima de câncer, quando ela tinha apenas cinco anos de casada e dois filhos pequenos para criar: Fernando e Ronaldo. Foi aí que a arte entrou em sua vida, primeiro como terapia para lidar com o momento adverso, até se transformar em um imenso potencial artístico.
A artista, entretanto, considera a virada de chave de sua vida artística a participação em um programa da TV Bandeirantes, em 1977, em que ensinou suas técnicas para os telespectadores. Na ocasião, por conta da repercussão, ela passou de seis alunos para mais de 100. Como o material que usava para seus trabalhos era importado da Inglaterra, ela correu o mundo para buscar os utensílios necessários para atender à nova demanda de pessoas interessadas em “aprender” arte com ela.
Carreira de sucesso – A partir daí, a carreira bem-sucedida tomou um rumo natural. Angela ajudou a montar o Museu da Porcelana, em Dallas, EUA; participou de curso no Museu Hermitage, na Rússia; fez em azulejo, a pedido do Banco do Brasil, a reprodução da foto da primeira agência do banco (instalada no RJ). Este trabalho foi desenvolvido na Costa do Sauípe, na Bahia, na ocasião em que o tenista Guga jogaria lá.
A artista também tem obras expostas no Museu do Parlamento na Assembleia Legislativa, Museu do Trabalhador, em São Bernardo do Campo, e Museu do Esporte. Também foi escolhida para fazer um cartão de natal, denominado “Os Pastores” para o Hospital Albert Einstein; desenhou a “Virgem Morena” para a capa da Revista Alavanca, da Igreja Católica; e “A Sagrada Família”, para o Museu de Jarinu, sua cidade natal.
Nos bairros – Em homenagem aos bairros onde viveu, suas obras também se destacam em toda a extensão da Rua Diogo Ortiz, City Lapa, no muro que divide a rua e a estação CPTM Domingos de Morais; na revitalização da Travessa Caminho Suave, próxima à rua Dr. Avelino, Vila Leopoldina; na Toca da Onça, passagem subterrânea que liga o centro comercial da Lapa à Lapa de Baixo. Ela chegou ainda a pintar a imagem de Santo Estevão, para a igreja que leva o mesmo nome na Vila Anastácio, mas, infelizmente, a obra se perdeu.
Chama atenção o fato de as obras desses bairros virem acompanhadas de frases de incentivo, muitas de sua própria coleção, desde os tempos de juventude. “Muitas pessoas veem o que escrevo e me agradecem por mudar sentimentos negativos em relação às suas próprias vidas”, diz.
Neste sentido, vale destacar a história de Pancho Delgado, que tinha um programa de rádio em que tocava serenatas mexicanas. Romântica, Angela ouvia o seu programa. Porém, em uma dessas ocasiões, percebeu tristeza no falar de Delgado e escreveu uma carta para ele, comentando sobre o assunto. O tempo passou, mas, um ano depois, o radialista ligou para se encontrarem e revelou que a carta de Angela o salvou, pois, naquele momento, pensava em se suicidar. Eles se conheceram, casaram-se, mas infelizmente o segundo marido veio a ser assassinado em frente à padaria da qual era dono, em 2001.
Mais uma tragédia, no entanto, não impediu que Angela continuasse a levar a vida brincando, uma vida em que tudo vira arte, seja na lápide dos familiares ou em um prato de azulejo em que descreve o nascimento dos netos. Hoje ela ainda dá aulas em um ateliê montado nos fundos da própria casa e é dona de uma história rica, cheia de aprendizados e que espera, quem sabe, um dia transformar em um livro autobiográfico.

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